A nova Lei de Saúde Mental, aprovada pela Lei n.º 35/2023, de 21 de julho, e em vigor desde 20 de agosto de 2023, marca uma “viragem” importante no tratamento e nos direitos das pessoas com doenças mentais.
Esta lei substitui a anterior (Lei n.º 36/98) e apresenta uma abordagem mais humanizada da saúde mental, alinhando-se com os princípios internacionais de direitos humanos e com as boas práticas na área da psiquiatria, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Conselho da Europa e União Europeia.
Neste artigo vamos abordar as principais alterações feitas à Lei de Saúde Mental para estar a par dos direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental.
Nova Lei de Saúde Mental: o que mudou?
A Lei n.º 35/2023 introduz uma série de modificações, procurando garantir maior respeito pela autonomia dos indivíduos com necessidade de cuidados de saúde mental, assim como reforçar os mecanismos de proteção judicial em casos de internamento involuntário e tratamento compulsivo.
Vejamos os pontos-chave desta nova Lei.
1. Promoção dos Direitos Humanos
A nova legislação deu passos largos para a promoção dos Direitos Humanos, estando em consonância com os princípios internacionais de direitos humanos, nomeadamente as diretrizes da OMS e os padrões europeus, como a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Agora, o tratamento em saúde mental é olhado com ênfase no combate ao estigma e na promoção de uma maior inclusão social.
2. Autonomia e capacidade de decisão
Um dos princípios maiores da Lei de Saúde Mental é a garantia e proteção da autonomia dos indivíduos. Assim, os indivíduos com necessidade de cuidados de saúde mental passam a participar, ativamente, e sempre que possível, na decisão sobre os tratamentos que recebem.
Além disso, mesmo que o paciente se encontre em situação de vulnerabilidade mental, as suas vontades e preferências devem ser tidas em consideração, promovendo a sua autodeterminação e empoderamento.
O paciente também passa a escolher, livre e esclarecidamente, a entidade prestadora dos cuidados de saúde. Da mesma forma, a ele cabe a decisão, livre e esclarecida, da sua participação em ensaios, investigação ou estudos clínicos.
3. Internamento involuntário
A nova Lei de Saúde Mental introduz critérios mais rigorosos no que concerne ao internamento involuntário de pessoas com perturbações mentais.
O internamento involuntário é feito quando a pessoa se recusa ao tratamento ou quando esta representa um perigo para bens jurídicos, pessoais ou de terceiros.
Este só pode ser feito quando é:
A única forma de assegurar o tratamento medicamente prescrito;
O mais adequado para prevenir (ou eliminar) os perigos supracitados;
Proporcional à gravidade da doença mental, perigo e relevância do bem jurídico.
Com a revogação do n.º 3 do artigo 92.º do Código Penal, deixa de haver a possibilidade de prorrogar, indefinidamente, uma medida de segurança de internamento de inimputáveis (pessoas que cometeram crimes, mas que estes se deveram a um problema de saúde mental). Desta forma, valoriza-se o entendimento de que nenhum cidadão pode ser privado da sua liberdade indefinida ou ilimitadamente.
Para melhor garantir os direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental, a periodicidade da revisão obrigatória da situação do indivíduo passa de dois para um ano.
No caso dos internamentos de cidadão inimputáveis, o prazo de internamento não pode ser superior ao limite máximo da pena correspondente ao crime cometido.
4. Tratamento involuntário
O tratamento involuntário só pode ser requerido, consoante o artigo 16.º, por:
“a) O representante legal do menor;
b) O acompanhante do maior, no âmbito das suas atribuições;
c) Qualquer pessoa com legitimidade para requerer o acompanhamento de maior;
d) As autoridades de saúde;
e) O Ministério Público;
f) O responsável clínico da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental ou do estabelecimento de internamento, conforme os casos (…);
2 - O médico que, no exercício das suas funções, conclua pela verificação de uma das situações de perigo previstas na [nova Lei de Saúde Mental, mencionadas anteriormente]”.
Os indivíduos sujeitos a tratamento involuntário, assim como as entidades acima referidas, podem requerer, sempre que acharem justificável, a revisão da decisão de tratamento involuntário. Esta tem lugar com audição dos:
Ministério Público;
Pessoa que está a ser alvo de tratamento;
Um dos dois psiquiatras subscritores do relatório de avaliação;
Pessoa de confiança/defensor/mandatário;
Profissional do serviço de saúde mental.
5. Reinserção familiar e social
A reinserção em meio familiar (sempre acompanhada dos serviços locais de saúde mental) e a instalação em estruturas residenciais devem ser sempre priorizadas relativamente ao internamento hospitalar.
Reintegrar o paciente na sua vida quotidiana é essencial para a sua recuperação e, nesse sentido, as equipas de saúde mental devem procurar alternativas, sempre que possível, para assegurar a liberdade do indivíduo.
Nos casos em que o internamento é a única opção, o indivíduo tem o direito de comunicar com o exterior e de receber visitas de familiares, amigos, procuradores de cuidados de saúde mental e mandatários.
6. Menores e pessoas com capacidade reduzida
A lei também dedica atenção especial a menores e pessoas com incapacidade, garantindo que os seus direitos são particularmente protegidos.
No caso de menores de idade, a decisão de tratamento ou internamento deve envolver os pais, ou os seus representantes legais, com respeito pelo superior interesse da criança.
Maiores de 16 anos, sem capacidade para consentir, são representados, também, por quem exerce responsabilidades parentais, por quem tem a sua tutela ou por uma pessoa a quem tenham sido confiados.
No caso de pessoas incapacitadas, as decisões têm de ser tomadas proporcionalmente, salvaguardando ao máximo a autonomia possível do indivíduo.
7. Deveres do indivíduo com necessidade de cuidados de saúde mental
Embora os direitos das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental tenham sido alargados, estas têm também deveres, conforme o artigo 7.º, n.º 3:
“Colaborar com os profissionais de saúde em todos os aspetos relevantes para a melhoria do seu estado de saúde mental”;
“Observar as regras sobre organização, funcionamento e utilização dos serviços de saúde mental e demais entidades prestadoras de cuidados de saúde mental a que recorram”.
Ainda, segundo o artigo 8.º, n.º 5, “a pessoa em tratamento involuntário tem o especial dever de se submeter aos tratamentos medicamente prescritos”.
Adotando-se uma maior inclusão dos indivíduos com necessidade de cuidados de saúde mental, assim como o respeito pelos Direitos Humanos, a nova Lei de Saúde Mental coloca Portugal na vanguarda das políticas de saúde mental, garantindo mais justiça àqueles que lhe estão sujeitos, visando uma melhor qualidade de vida e o acesso aos cuidados a todos os cidadãos.